Uma aula com os grandes

10.12.2021  |    1.067 visualizações

Francisco Porath Neto, Marcos Goto e Camila Ferezin, treinadores que são referência para o esporte, bateram um papo de alto nível em encontro promovido pela CCE da CBG

Da Redação (SP) - A tão sonhada classificação para os Jogos Olímpicos (Ginástica Rítmica), quatro classificações para finais olímpicas (Ginástica Artística Masculina) e as duas primeiras medalhas olímpicas da Ginástica Artística Feminina do Brasil, além de quatro finais. Como se sabe, esse foi o balanço frio, contábil, da participação verde-amarela nos Jogos de Tóquio. Mas a trajetória até que se alcançasse esse resultado foi tortuosa, cheia de percalços e muito rica em aprendizado. Essa caminhada foi objeto de discussão no encontro virtual que reuniu os treinadores Camila Ferezin, Marcos Goto e Francisco Porath Neto. O evento foi promovido pela Comissão de Ciência e Educação da CBG, e contou com a mediação da professora Myrian Nunomura.

Camila Ferezin

Camila abriu “os trabalhos”.

“A gente está sempre pensando no próximo objetivo, meta, competição. Então, quando tudo parou, devido à pandemia, tivemos que encarar um momento muito desafiador, que nunca havíamos vivenciado e que nos trouxe muita bagagem. O esporte nos ensina a ser resilientes, e precisamos muito dessa capacidade para passar por tudo isso”.

A preparação teve momentos dramáticos. Depois que a equipe voltou de um estágio de treinamento em Israel, no início do ano, a notícia do adiamento do Pan-Americano, que estava previsto para maio, nos Estados Unidos, foi um duro golpe para a Seleção Brasileira de Conjunto de Ginástica Rítmica.

“Ficamos sem saber o que iria acontecer, e decidimos liberar as meninas para ficarem junto com suas famílias. Aos poucos, vimos que na Europa estavam fazendo treinamentos on line. Não deu nem uma semana e já iniciamos os nossos trabalhos nessa modalidade. Fizemos do limão uma limonada. Grandes ideias surgiram. Fizemos contato com o mundo todo, e oferecemos atividades com treinadores estrangeiros, como aulas online com dançarinas da Escola de Bolshoi”.

Depois de quatro meses de muita atividade online, a equipe teve a chance de treinar em Portugal, graças ao esforço do Comitê Olímpico do Brasil e da Confederação Brasileira de Ginástica, que viabilizaram um período de 60 dias num Centro de Treinamento de Ginástica localizado em Sangalhos.

“Lá nós conseguimos interação com toda a comunidade da ginástica. Tivemos trabalho de preparação física com os treinadores da Seleção Masculina e da Feminina, pudemos manter a forma física. Mudou o código de pontuação e trabalhamos na montagem de nossas coreografias, focamos pontos nos quais precisávamos melhorar. Esse período nos ajudou muito a chegarmos em 2021 muito bem preparadas”.

Em 2021, por duas vezes, pouco antes do embarque para a participação em etapas da Copa do Mundo, testes positivos em atletas para detecção do vírus da Covid-19 abortaram as viagens. “Três ginastas titulares tiveram maior comprometimento pulmonar. Uma delas teve que voltar para casa e outra saiu da equipe titular. Tivemos que reformular o conjunto, sendo que duas ginastas desistiram durante a parada forçada pela pandemia, em 2020, e não quiseram continuar”.

Em abril, o drama estava prestes a se repetir, quando uma das ginastas testou positivo. “Nesse momento, as atletas disseram que precisávamos ir, que tínhamos que competir. Então nós testamos a reserva Deborah Medrado na função de titular durante um sábado e um domingo. Elas provaram que poderíamos viajar e mostraram isso na etapa da Copa do Mundo de Baku, quando competiram muito bem, nos dando muita confiança”.

Graças ao esforço da CBG, do COB e da Secretaria Especial do Esporte (Ministério da Cidadania), o Brasil conseguiu realizar o Campeonato Pan-Americano, classificatório para a Olimpíada, no Rio. “Competimos muito bem e aí alcançamos a nossa meta, que era a classificação para a Olimpíada”.

Com uma das equipes mais jovens entre as que competiram em Tóquio, Camila aposta que o grupo pode crescer muito no ciclo olímpico que vai se encerrar em Paris-2024. Prova disso foi a classificação inédita para uma final de Mundial, feito alcançado em Kitakyushu, no Japão. Naquela ocasião, o Brasil conseguiu a sétima colocação na série de 5 bolas.

Francisco Porath Neto

A trajetória da Ginástica Artística Feminina ao longo dos últimos anos não foi menos acidentada – e terminou de forma apoteótica, com as duas primeiras medalhas obtidas por uma ginasta brasileira nos Jogos Olímpicos – o ouro no salto e a prata no individual geral de Rebeca Andrade. No Mundial de Kitakyushu, em outubro, a guarulhense registrou uma nova façanha: ouro no salto e prata em seu aparelho preferido, as paralelas assimétricas.

“Foi uma trajetória muito bonita da nossa Ginástica. Em Portugal, nós formamos uma verdadeira família da Ginástica do Brasil, e isso foi muito importante no processo”, conta Porath.

Assim como Camila Ferezin, Francisco reputa como fundamental a iniciativa da CBG, do COB e da Secretaria Especial do Esporte, que trouxeram o Campeonato Pan-Americano para o Brasil.

“A Flávia Saraiva, com muitos méritos, tinha conseguido a vaga dela no Mundial de 2019. Mas a Rebeca, que teve problema de lesões, teve que conquistar a dela neste ano. A Olimpíada dela, num primeiro momento, era o Pan. Graças a muito trabalho, ao esforço dela e de toda uma equipe, felizmente ela conseguiu. Também foi determinante para o nosso sucesso em Tóquio a realização de um estágio de aclimatação e treinamento no Catar, que durou um mês. Novamente, deixo meus agradecimentos ao COB e à CBG”.

Francisco contou também como a comissão técnica conseguiu tomar as decisões corretas, que colocaram Rebeca no caminho da consagração olímpica. “Ela estava fazendo o salto com dupla e meia, mas estava tendo um desvio de direção no primeiro salto. A execução não estava compensando o salto. Foi muito tenso até tomarmos a decisão. No dia da competição, a Rebeca conseguiu treinar muito bem. Aí ela se manteve aquecida e conseguiu chegar a uma média de 15 pontos, que era o que precisava para ficar à frente das outras meninas. Foi uma emoção muito grande. Tenho certeza de que a grande união da Ginástica Brasileira é que proporcionou o nosso crescimento e fez a medalha acontecer”.

Marcos Goto

Na avaliação de Marcos Goto, treinador que orientou Arthur Zanetti ao longo de uma trajetória pontuada por duas medalhas olímpicas e quatro em Mundiais (um ouro e três pratas) e Coordenador da Seleção de Ginástica Artística Masculina, a experiência das 16 semanas com treinamento online engrandeceu todo o movimento da modalidade.

“Todos os treinadores do País participaram. Era treinamento o dia inteiro. Pela manhã, oferecíamos atividade para os juvenis e adultos e, à tarde, trabalhamos o infantil e pré-infantil. Chegamos a ter duzentas crianças num sábado à tarde treinando. Movimentamos treinadores do México, da Argentina, do Equador. A gente engrandeceu o esporte com nossa união. Conseguimos manter os atletas em forma e capacitar nossos treinadores”.

Goto considera natural o fato de o Brasil não ter conseguido uma medalha olímpica pela primeira vez depois de duas edições dos Jogos com muito sucesso (Londres-2012 e Rio-2016).

“Todo país passa por isso. Você consegue ficar em algumas Olimpíadas no pódio e depois tem uma baixa”.

O experiente treinador destacou os frutos colhidos pelo Brasil em Tóquio. “Tivemos o Diogo Soares, um garoto de 18 anos, chegando a uma final no individual geral, o que foi uma felicidade muito grande. O Caio (Souza) conseguiu se classificar para duas finais (individual geral e salto). Foi o primeiro brasileiro também a ir a uma final de um aparelho que não era solo ou argolas. Nunca havíamos conseguido classificação para a final do salto. E o Arthur (Zanetti) estava no aparelho mais competitivo da Olimpíada. Competição acirradíssima, com notas de partidas muito altas. Com a classificação dele para a final, tirei um caminhão de pedras das minhas costas. O Nory infelizmente não pegou final, mas essa experiência serviu como um aprendizado muito grande”.

Marco Bortoleto

O coordenador da Comissão de Ciência Educação, o professor doutor Marco Antonio Coelho Bortoleto, arrematou a live com conclusões importantes a respeito do encontro com os três treinadores.

“Conseguimos ver que os atletas que estão competindo no alto nível são apenas a ponta de um iceberg cuja base é gigantesca. Vimos isso com os treinamentos on line, que reuniram centenas de participantes. Nossa força é muito maior quando caminhamos juntos”.

Bortoleto também destacou a capacidade de superação demonstrada pelos treinadores. “Precisamos de treinadores que se reinventem, e vocês mostraram que têm essa capacidade. Também chamou a atenção a interação entre as modalidades da ginástica, que vocês mencionaram. Quanto mais troca houver, melhor”.

Por fim, o professor agradeceu a quem acredita no trabalho da CBG. “É um projeto que demora para se materializar. Não é palpável num primeiro momento. Por isso, agradeço às Loterias Caixa por todo o apoio”.

 

 

 

 

 

 

 

  

     

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