Rodolfinho, o gigante de 1,62m que deu ao Brasil seu primeiro ouro num Mundial de Ginástica

26.07.2020  |    817 visualizações

O carioca Rodolfo Rangel foi mais do que um atleta: treinador desde os 16 anos de idade, pesquisou tudo o que podia para descobrir caminhos que o levassem ao pódio

 

Da Redação, São Paulo (SP) - Aluno da escolinha de futebol do Flamengo quando garoto, Rodolfo Rangel teve que procurar alguma atividade física para canalizar uma parte considerável de sua energia de criança hiperativa quando a família se mudou para a Tijuca. Ele já tinha feito algumas atividades lúdicas no departamento de Ginástica Artística da Gávea e pode-se dizer que o bichinho da modalidade havia lhe dado uma picada. Quando viu que no Colégio Militar havia uns trampolins, decidiu dar seus pulos. Estava começando ali a trajetória daquele que deu à Ginástica do Brasil seu primeiro título numa competição de grande envergadura: o ouro do Mundial de 1998 de Trampolim e Tumbling, em Sydney, no duplo mini. Dono de outras duas medalhas, de bronze, nas edições de 1999 (Sun City) e 2001 (Odense) do Mundial no duplo mini, além da prata de 94, no trampolim, na categoria júnior, Rodolfinho, gigante de 1,62m, conta sua história para o Memória de Ouro CBG.

 

 

Rodolfinho, o pequeno grande homem da Ginástica de Trampolim

Com 1,62m e muito talento, Rangel voou alto, bem alto, e se tornou o primeiro brasileiro campeão mundial na Ginástica

Corriam os primeiros anos da década de 90 e, nas videolocadoras, havia uma forte concorrência para alugar as fitas Exterminador do Futuro 2, Esqueceram de Mim e Uma Linda Mulher. Rodolfo Rangel, nascido em 1977, tinha uma obsessão diferente: chegou às mãos dele uma cópia em VHS da 16ª edição do Mundial de Trampolim e Tumbling, realizada pela Federação Internacional de Trampolim (FIT) em 1990, em Essen.

Rangel até hoje não sabe explicar como a fita resistiu a tantas rebobinadas e pausas. “Sou virginiano, muito observador e meticuloso. Sabia de cor todas as séries, tinha tudo anotado em cadernos”.  O soviético Alexander Moskalenko assumiu, no imaginário do adolescente, a figura do “Pelé do trampolim”, uma fonte de inspiração desde sempre.

No Mundial seguinte, no ano de 92, em Auckland, o carioca, lá presente para participar das disputas juvenis, ficou embasbacado. “Peguei o elevador do hotel e dei de cara com o Moskalenko. Comecei a chorar, porque não acreditava. Ele e os outros atletas da Comunidade de Estados Independentes riram e me deram um tapinha nas costas. Fiquei meio atordoado”.

O sorteio não foi muito camarada e colocou a apresentação do brasileiro no trampolim logo depois do show do Pelé russo, que conquistara ouros no individual e por equipes e prata no sincronizado no Mundial de Essen. Na Nova Zelândia, iria abiscoitar três ouros. “Tinha 15 anos de idade e fiquei muito nervoso para fazer minha série depois dele. Eu me atrapalhei, caí sentado nos colchões de escape, e achei que estava eliminado. Foi então que o árbitro me explicou que minha série não tinha nem começado, falou para eu continuar. Não lembro qual resultado obtive. Fui até bem no duplo mini, se você considerar o meu preparo na época”.

A delegação brasileira deixou a Oceania sem medalha, mas com itens importantíssimos na bagagem. Sérgio de Almeida Bastos, ex-praticante de Ginástica Artística que depois se tornou treinador de Ginástica de Trampolim, fundador e primeiro presidente da RIOTRAMP (Federação de Trampolim e Ginástica Acrobática do Estado do Rio de Janeiro) e presidente da Confederação Brasileira de Trampolim e Esportes Acrobáticos, comprou um duplo mini e telas oficiais de competição. Firmemente disposto a desenvolver o esporte no País, investiu em equipamentos e fez contatos que se provaram valiosos.

Um deles foi com Hubert Barthod, campeão mundial júnior no trampolim individual que fez parte da elite da modalidade na França por uma década – sagrou-se campeão nacional duas vezes e vice-campeão no sincronizado em 1986, no Mundial de Paris, ao lado de Lionel Pioline. Além de dar um belo empurrão para a modalidade deslanchar no Rio, Barthod se envolveu com trupes performáticas como os “Aeroloucos” e no desenvolvimento da coreografia de grupos como os “Irmãos Brothers” e “Intrépida Trupe”. Depois, recebeu proposta para trabalhar no Brasil pelo Cirque du Soleil, sendo depois realocado em Montreal.

“Foi com o Barthod que assimilei como deveria treinar, percebi a importância dos exercícios educativos e entendi melhor como se davam as combinações de saltos. Em 92 e 93 eu me desenvolvi com muita velocidade. Aprendi a fazer quase todos os duplos e logo me tornei campeão brasileiro adulto”, lembra Rodolfo.

Barthod, falecido há dez anos, impressionou-se com o pupilo que encontrou no outro lado do Atlântico. “O Hubert trouxe uma fita com gravação de saltos. O Rodolfinho via e passou a fazer um a um: mortal, duplo mortal com pirueta, e por aí vai. Havia naquele VHS saltos que nem o próprio Hubert conseguia fazer, e o Rodolfinho ia lá e fazia, para nosso espanto”, diz Sérgio, hoje um senhor muito ativo – deu entrevista para a CBG enquanto caminhava numa esteira.

Diante de todo esse progresso, o pequeno carioca percebeu que estava se tornando gente grande no esporte, e preparou-se para o Mundial de 94, realizado na cidade do Porto, com a sensação de que uma medalha estava em seu alcance. Mas a inquietude lhe cobrou um preço alto. “No comecinho daquele ano, eu estava de férias e, como todo garoto tijucano com tempo livre, o que eu podia fazer? Bobagem, né? Tive um acidente andando de Mobilete que me obrigou a colocar até pinos e placas. O médico me disse que só me recuperaria em nove meses, mas o Mundial seria em outubro. Precisava voltar antes para treinar. Em quatro meses, com cintas nas costas e tipoias, já estava saltando no ginásio. O Sérgio ficou louco. Eu não fazia manobras, saltava para manter a musculatura das pernas, conservar a capacidade de impulsão e a condição cardiorrespiratória. O Marcelo Neves (treinador de trampolim) me pediu para ir com calma, mas eu era um rebelde sem causa, nunca fui um garoto fácil”.

Mesmo sem ter feito uma preparação ideal, Rodolfo enfiou-se entre os finalistas, ao lado de representantes de países bem mais avançados na modalidade, que realizara seu primeiro Mundial em 1964: dois canadenses, dois franceses e um inglês.

Para alcançar essa posição, o brasileiro reformulou sua série na própria semana da competição. “Depois do Mundial adulto, realizado no final de semana, teve uma pausa na segunda, na terça e na quarta-feira. Na quinta começava a disputa dos chamados ‘age groups’. Treinando no trampolim oficial, eu vi que conseguia ir muito mais alto fazendo o mesmo esforço. O trampolim em que eu treinava no Rio já estava velho por causa da falta de reposição de molas. Aí eu elevei bastante o nível de dificuldade das séries e sentei o pau naqueles três dias de treinos. Tinha que fazer isso: ou arriscava ou ficaria em 20º”.

Marcelo Neves, treinador de Rodolfo, opôs-se àquela cartada ousada, mas foi voto vencido. Hoje, avalia que o ginasta é que tinha razão. “Eu era um jovem treinador e o Rodolfo estava à minha frente naquele momento em termos de conhecimento. Se você for analisar perfis de atletas, vai ver que o questionador não é ruim. Ele te desafia a pesquisar mais. Olhando para trás, vejo que tive muita sorte por ter trabalhado com o Rodolfo. Ele me fez crescer”.

“Eu era altamente pesquisador: pesquisava, pesquisava, pesquisava. Sabia o que estava fazendo. Com o tempo, o Marcelo virou um monstro como treinador. Aproveitou a presença de treinadores estrangeiros no Brasil para aprender mais. Ele até aprendeu russo (no Centro de Cultura Eslava, no Centro do Rio) para tirar mais do conhecimento do Vladimir Pilptchenko (um dos treinadores estrangeiros que visitaram o Brasil, a convite de Sérgio, para dar clínicas). É um cara inteligente num nível hard”.

Mesmo com a série aprontada às pressas, em cima da hora, Rodolfo conseguiu ir para a final ocupando a quinta posição entre os seis que avançaram. “No Brasil, eu já era sênior. E fui enfrentar a nata internacional entre os caras que buscavam vaga nas seleções adultas de seus países. Era como a Copa São Paulo de Futebol Júnior, um monte de moleque bom, quase profissional, querendo aparecer”.

Percebendo que ainda tinha terreno para ganhar, Rodolfo testou saltos novos no próprio aquecimento para a final. Na disputa pelas medalhas, provou que estava certo: deu um triplo com meia volta e ficou atrás apenas de um francês que seria vice-campeão adulto no individual e sincronizado do Mundial seguinte, em 96, em Vancouver: Emmanuel Durand.

A conquista tornou Rodolfo mais conhecido pela mídia esportiva brasileira. “O Nelsinho Rodrigues (filho de Nelson Rodrigues e editor do Jornal dos Sports) dava um jeito de falar do Trampolim. No meio de um texto em que comentava sobre futebol ele abordava o Trampolim, que chamava de cama elástica, dando apoio. Falava de um ‘novo esporte’ despontando no Rio.  A Glenda Koslowski também fez matérias na Globo e SporTV. Foi muito legal”.

Mesmo tendo no currículo o título de duplo mini do Mundial de Sydney-98, Rodolfo reputa a prata de 94, da categoria júnior, como sua maior conquista. “Trampolim é trampolim”.

A conquista não foi festejada apenas pelos brasileiros. “Os países mais fortes abraçam os países novos no trampolim. Os atletas incentivam, dão dicas. No meu primeiro Mundial, na Nova Zelândia, já senti isso. Acolhiam muito bem os brasileiros, os argentinos. No meu segundo Mundial, já consegui dar resultado para o Brasil. Os outros países levam ao menos quatro mundiais pra medalhar. O pessoal todo da França vibrou, os portugueses também. Foi muito bacana”, agradece Rodolfo.

Depois de passar em branco no Mundial de Vancouver-96, Rodolfo e todo o mundo do trampolim receberam o impacto de um anúncio que revolucionou o esporte. “Estava em uma competição na África do Sul, em 97, quando anunciaram, no ginásio, que a Ginástica de Trampolim tinha se transformado em modalidade olímpica, com estreia em 2000. Sabíamos que o lobby estava sendo bem feito – a Ginástica de Gala realizada em Atlanta96 já havia incluído o trampolim e as chances de acontecer aquilo eram altas, mas mesmo assim a emoção tomou conta do ginásio, a gritaria foi ensurdecedora. No mesmo momento, comecei a treinar visando aos Jogos de Sydney”.

Apenas a prova individual de trampolim se tornou olímpica, mas um atleta bem treinado no trampolim pode se dar bem também no duplo mini. Com esse pensamento, Rodolfo voou rumo à sede do 20º Mundial da modalidade, o de 1998, justamente Sydney. “Montei uma série para o duplo mini que era forte o suficiente para eu ser no mínimo medalhista”, lembra o carioca. Na hora do chamado “vamos ver”, Rodolfo se classificou na primeira colocação. Na final, confirmou que estava imbatível. “Foi sensacional. Eu me tornei o primeiro atleta da Ginástica Brasileira a conquistar a primeira colocação num Mundial sênior”.

E esse momento inesquecível foi presenciado por uma delegação brasileira que se transformou numa torcida fervorosa no ginásio – estavam presentes nas arquibancadas, segundo Sérgio, 80 atletas brasileiras das diversas categorias e 26 profissionais, entre treinadores e auxiliares. “A gente reservou um hotel inteiro pra nós”, diz ele.

“O Rodolfinho tem amplos méritos. Foi um pioneiro. É como escalar o Everest sem suporte de oxigênio. Treinando com equipamentos que deixavam a desejar, chegou ao topo. Hoje os caras formam uma equipe que carrega todo o seu equipamento, pagam US$ 80 mil a um guia e escalam o Everest. O Rodolfinho fez algo comparável na raça”, reconhece Marcelo.

Muito falante e cheio de amigos no meio do trampolim, Rodolfo saboreou um momento especial. Como era de se esperar, a conquista do status olímpico movimentou muita gente. Uma fera de Krasnodar, que já tinha abandonado a modalidade e chegara a pesar 120 quilos, deu um jeito de perder uns 30. Ainda fora de forma, conseguiu conquistar o ouro na disputa de trampolim por equipes. Era justamente Alexander Moskalenko, o Pelé russo, que parecia desempenhar naquele momento o papel de um outro Rei: Elvis, que também tinha problemas com a balança e celebrou um retorno triunfante: o show Comeback. Nos Jogos de Sydney, ele faria história como o primeiro campeão olímpico da história da modalidade. Em Atenas-2004, faturou a prata, aos 34 anos de idade.

“O Moskalenko foi um dos caras que vieram me cumprimentar, num momento que considero um dos mais especiais da minha carreira. Lembrei do menino que eu era, que chorou no elevador ao encontrá-lo em Auckland. Receber o cumprimento dele seis anos depois foi incrível”.

Em meio a tantas memórias, Rodolfo reconhece mais uma vez uma tacada certeira do mentor, que considera como a um pai: Sérgio de Almeida Bastos, seu primeiro treinador de trampolim, no Colégio Militar. “O Sérgio me disse que seria bom pra mim atuar também como treinador. Ele argumentou que essa atividade me induziria a ser um cara mais ponderado e analítico. Achei que fazia todo o sentido e sou treinador desde os meus 16 anos”, diz Rangel, que passou por três cursos da FIG Academy, sendo aprovado com louvor e recebido elogios de Nikolai Makarov, membro do Comitê Técnico de Trampolim da FIG.

Rodolfo voltou da Austrália ainda mais convicto de que precisaria de um plano bem estruturado para poder lutar pela vaga olímpica. “Do final de 98 para 99 comecei a apostar muito na preparação física, inclusive com personal trainer”.

O brasileiro acredita que estava técnica, física e psicologicamente bem preparado, e ficou perto da vaga olímpica. Obteve a 16ª colocação no Mundial de Sun City-99, mas havia apenas 12 vagas olímpicas em jogo naquela competição na África do Sul.

Frustrado, mas sem se dar por vencido, Rodolfo foi à luta no duplo mini. “Avancei para a final na segunda posição, atrás do (canadense) Chris Mitruk. Na final, ele fez a série dele. Os resultados eram determinados pela soma da preliminar e da final. Cometi um pequeno vacilo – não olhei a pontuação. Estava na frente e não sabia. Fui então que dei uma cartada – nos meus cálculos, que estavam errados, eu teria que bater o recorde mundial de pontuação para poder ser bicampeão mundial. Dei um baita salto, um então inédito duplo carpado com dupla e meia pirueta. Fui o primeiro a fazer esse salto no mundo e o ginásio veio abaixo, mas pisei pra fora da área permitida. Fiquei com o bronze, mas me destaquei”.

Jogador de futebol no infantil do Flamengo e lateral direito nas horas vagas, ele recorre a uma imagem que veio dos gramados para explicar o significado daquela demonstração. “A seleção de 82 não foi campeã na Espanha, mas entrou pra história por ter jogado bonito. Mesmo sem ter vencido, fiz algo para ser lembrado também, assim como Zico, Sócrates e Falcão”.

Uma matéria na revista da FIG sobre a façanha, com uma foto grande, é um prêmio que se junta à medalha de bronze e orgulha o ginasta.

Ainda desanimado por ter ficado fora dos Jogos de Sydney, Rangel, que havia se mudado para Copacabana, estabeleceu outras prioridades: o curso de Educação Física da Universidade Gama Filho, o trabalho como treinador e o futevôlei, fonte de diversão que compartilhava com Júnior Negão e Rodrigo Souto, volante que defendeu o Vasco, Santos, São Paulo e Botafogo, entre outras feras.

Mesmo sem priorizar a competição, Rangel mostrou que o duplo mini estava “no sangue”, por assim dizer. “O Mundial de Odense (Dinamarca), em 2001, não era classificatório pra Olimpíada. Não treinei nada, mas acertei minha série e consegui um bronze. Foi muito maneiro e histórico, porque tive a companhia dos portugueses Nuno Lico e Amadeu Neves. Fizemos o primeiro e único pódio 100% luso-brasileiro da história. Eu e meus amigos nos emocionamos muito. Teve uma choradeira do caramba”.

A história não termina por aí. Rangel depois se destacou na criação de espetáculos circenses do ator Marcos Frota e do Cirque du Soleil. Mas esse já é um salto em outra direção.

  

 

 

 

 

  

 

 

 

 

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